15/08/08

Zumbido "no ouvido" atinge 15% da população mundial

O canto do uirapuru é considerado o mais bonito de sua classe e um dos mais raros: o pássaro só canta por cerca de 15 dias no ano. Mas, para a instrumentadora cirúrgica aposentada Sandra Carvalho Martins, 51, é diferente. Ela escuta o som da ave quase todos os dias, há 20 anos - intercalado com o de grilo, o de apito e o de faca sendo passada no esmeril.

Mas isso não é um privilégio. Sandra sofre de zumbido, um problema que, de acordo com estimativas internacionais, atinge por volta de 15% da população e pode ter mais de 200 causas diferentes. "É um som aberrante, percebido na inexistência de uma fonte sonora externa", define Márcia Kii, otorrinolaringologista responsável pelo Ambulatório de Zumbido do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. O ruído pode ser uma combinação de chiado, som de panela de pressão, apito, assobio... O repertório sonoro é infindável.

E perturbador: ao ir para a cama, Sandra usa fones de ouvido para escutar música e abafar os ruídos. "Só assim consigo pegar no sono. Do contrário, fico ligada no som e, por mais que eu queira me desligar, não consigo", conta. Depois de ouvir de seu otorrino que seu caso não tinha cura, ela decidiu aprender a lidar com o problema e deixou de buscar alternativas para tratá-lo.

No entanto, pesquisas brasileiras têm abordado tratamentos inovadores para o zumbido com bons resultados e ganhado destaque internacional, caso dos estudos sobre estimulação magnética transcraniana e sobre o tratamento de "pontos-gatilho" da síndrome dolorosa miofascial -ambos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa de Zumbido da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e publicados em periódicos internacionais.

Os trabalhos mostram que não é preciso conviver com esse tormento por toda a vida. Deve-se ter em mente que o zumbido não é, em si, uma doença, mas sintoma de outros problemas. Isso porque o ruído fora de lugar pode sinalizar perda auditiva, problemas metabólicos, estresse, disfunções na articulação temporo-mandibular, cera em excesso e reação a medicamentos, entre outros distúrbios. Tratar esses problemas é o primeiro passo para evitar o ruído ou, ao menos, diminuir a sua intensidade. E ainda existem terapias para ajudar a conviver com o barulho persistente.

O quanto antes

Os sons podem aparecer diariamente ou ser mais esporádicos, surgindo depois de exposição a barulho muito alto, uma vez por mês ou até a cada seis meses. "O zumbido precisa ser avaliado porque é sinal de que alguma coisa se desequilibrou no organismo", diz a fonoaudióloga Keila Knobel.

Pacientes relatam que o zumbido normalmente começa fraco e vai crescendo com o passar do tempo, como conta o artista plástico Mário Galhardo, 63. Há 12 anos, ele começou a ouvir um som equivalente a um leve assobio. Hoje, nem o barulho do metrô em movimento é capaz de superar o zumbido que ele escuta. "Moro perto do aeroporto de Congonhas desde 1962. Acho que é por isso que o zumbido não me incomoda tanto -os aviões fazem muito barulho."

Como o ruído pode sinalizar perda auditiva, quanto antes se buscar tratamento, maiores são as chances de prevenir a perda total da capacidade de ouvir. Em outros casos, como o zumbido que surge depois de uma exposição à poluição sonora, o tratamento rápido pode reverter totalmente o quadro.

Grupos de apoio também ajudam a lidar com o problema, pois possibilitam troca de experiências e de informações. "Um estudo mostrou que os índices de incômodo melhoraram entre as pessoas que freqüentaram o grupo aqui de São Paulo", conta Tanit Gunz Sanchez, coordenadora do Ambulatório de Zumbido do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Pesquisas brasileiras testam tratamentos contra zumbido

O zumbido é um distúrbio que atinge cerca de 15% da população mundial. O problema pode ser causado por mais de 200 fatore diferentes. Pesquisas brasileiras estão testando tratamentos.

Prevenção

Apesar de não ser possível garantir que o zumbido não vá aparecer, dá para prevenir algumas das causas. Evite se expor a sons muito altos, especialmente do MP3. "Usado por muito tempo e com volume muito alto, está virando uma forma de poluição sonora forte", alerta Tanit Gunz Sanchez.

Também não exagere no consumo de açúcar, gorduras e cafeína e controle o estresse. Foi o que desencadeou a "panela de pressão" da estudante Karine Rocha dos Santos, 22. "Também percebi que o zumbido piora quando estou sob pressão e estressada", conta. Na época de provas, ela precisa relaxar um pouco durante os estudos. "Pelo menos a faculdade que curso, educação artística, ajuda a canalizar minha agitação", diz.

Tratamentos

Cuidar da causa do zumbido é primordial, mas pode ser necessário um tratamento específico para o distúrbio. O paciente deve decidir com o médico qual a melhor forma de tratá-lo, ponderando resultados previstos e tempo de tratamento.

1. MEDICAMENTOS

Como existem diversos medicamentos, o tratamento deve ser individualizado -dois pacientes com problemas parecidos podem reagir de forma completamente diferente ao mesmo remédio.
De acordo com Tanit Gunz Sanchez, do HC, a chance de melhora é de 50%. "As pessoas odeiam ouvir isso, mas viemos de uma época em que não se acreditava que houvesse cura", afirma. E enfatiza que remédios ajudam, mas é essencial tratar a causa do zumbido.

2. ALIMENTAÇÃO

Quem tem zumbido pode ter de reduzir o consumo de cafeína, açúcar e gorduras --compostos reconhecidamente ligados a esse problema. As células da cóclea (região do labirinto responsável pela audição) dependem do oxigênio que chega por meio do sangue. O excesso dessas substâncias no sangue pode dificultar a irrigação da cóclea e desencadear o mau funcionamento e até a morte das células auditivas. Uma análise detalhada dos hábitos do paciente indica se a mudança alimentar se justifica.

3. TRT (terapia de retreinamento de zumbido, na sigla em inglês)

A técnica consiste em duas etapas. Na primeira, o paciente recebe orientação e tira suas dúvidas sobre o distúrbio. Na segunda, passa por um "enriquecimento sonoro".
Como o ruído interno é muito mais percebido em locais silenciosos, a saída é manter no ambiente sons constantes. Em casos mais sérios, é possível usar um gerador de som -similar ao aparelho auditivo, que emite um chiado bem baixo. "O primeiro passo é a menor reação ao zumbido. O segundo é a pessoa ficar cada vez mais tempo sem percebê-lo", diz a fonoaudióloga Keila Knobel. O tratamento é longo: pode levar de 18 a 24 meses para trazer o efeito desejado.

4. ESTIMULAÇÃO SONORA

Outra forma de estimulação é o mascaramento: troca-se o barulho do zumbido por um som mais alto. O "novo" ruído pode ser um rádio ligado ou um mascarador, uma espécie de aparelho auditivo que emite um chiado constante. No entanto, se o paciente deixa de aplicar a técnica, o som volta. Deficientes auditivos podem usar aparelhos ou implante coclear, que estimula o nervo auditivo. Geralmente, quando voltam a ouvir outros sons, não percebem mais o zumbido e se sentem melhor.

5. FISIOTERAPIA

Uma constatação recente pode contribuir para solucionar problemas em pacientes que também sofrem de dor miofascial (associada a "pontos-gatilho", que, quando apalpados, doem ou irradiam dor para outras áreas do corpo). Quando presentes na região da cabeça, pescoço ou ombros, esses pontos podem ter relação com o zumbido.
Para sua tese de mestrado, publicada na "Arquivos Internacionais de Otorrinolaringologia", a fisioterapeuta Carina Bezerra Rocha avaliou a presença de "pontos-gatilho" em 188 pacientes, metade deles com zumbido, e verificou que pessoas com zumbido têm quatro vezes mais chances de também ter "pontos-gatilho". "Quanto mais próximo os pontos estão da cabeça, mais chances de haver relação com o zumbido."
Há um ano, ela trata 15 pacientes no Ambulatório de Zumbido do Hospital das Clínicas de São Paulo. Desses, 14 já relataram melhora --três disseram que o som desapareceu totalmente. Ela aconselha que pacientes com dor na cabeça, no pescoço ou nos ombros a relatem ao otorrino, para que sejam avaliados por um fisiatra e, se for o caso, tratados por um fisioterapeuta.

6. ACUPUNTURA

Para o otorrinolaringologista Ektor Tsuneo Onishi, que estuda o efeito da acupuntura no tratamento do zumbido e coordena o Ambulatório de Zumbido do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a técnica ajuda a diminuir o incômodo que o ruído gera. Ele publicou na "Revista Brasileira de Otorrinolaringologia" um estudo com pontos de acupuntura na cabeça, em 76 pacientes. "Provamos que um ponto específico do ouvido pode melhorar o zumbido, diminuindo a intensidade ou o incômodo." De acordo com ele, ainda não estão claros os mecanismos que levam à melhora, mas notou-se que, depois da acupuntura, algumas vias envolvidas na audição começam a funcionar de forma diferente.

7. ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA

Ainda em pesquisa em diversos países, a técnica não está disponível para tratar zumbido -é usada contra a depressão. Por meio de pulsos magnéticos sobre o crânio, gera-se uma corrente elétrica que pode alterar a atividade das células nervosas e desacelerar a parte auditiva, reduzindo o zumbido. Um trabalho realizado pelo Grupo de Pesquisa em Zumbido da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) com 20 pacientes mostrou que aqueles que fizeram sessões de estimulação por cinco dias consecutivos melhoraram mais do que os que não passaram pelo tratamento.

8. HIPNOSE

Técnica crescente em outras partes do mundo, consiste em sugerir ao paciente que se encontra em um estado específico de relaxamento que não perceba mais o zumbido. Como as pesquisas ainda são realizadas com poucas pessoas, faltam comprovações científicas de que seja uma terapia eficiente.

Especialistas classificam zumbido em subgrupos

Uma das tendências entre especialistas é separar o zumbido por subgrupos, com base em suas causas. Há casos que são uma mistura de vários grupos. Saber o que leva aos ruídos é o primeiro passo para diminuir o incômodo.

Origem metabólica

Causado principalmente por erro alimentar, como o abuso de alimentos ricos em cafeína (refrigerantes, café, chá preto), chocolates, outros doces e alimentos gordurosos.

Com audiometria normal

Cerca de 10% das pessoas com zumbido não têm problemas auditivos e fazem parte desse grupo. Os ruídos podem ser causados por distúrbios da coluna cervical, problemas odontológicos ou emocionais (ansiedade, depressão, estresse etc.).

Com perdas auditivas severas ou surdez

A perda de audição faz com que se escute mais um zumbido antes inaudível.

Problemas somatossensoriais

Causado por problemas musculares, principalmente na região da cabeça e do pescoço.

Grupos de apoio a pessoas com zumbido

BRASÍLIA

Quando: 1ª quarta-feira do mês
Horário: 17h
Onde: Auditório Central do Hospital Universitário (av. L2 Norte SGAN 605)
Tel.: 0/xx/61/3448-5394

CAMPINAS (SP)

Quando: 3ª segunda-feira do mês
Horário: 17h
Onde: Sociedade de Medicina e Cirurgia (r. Delfino Cintra, 63)
Tel.: 0/xx/19/3252-4241

CURITIBA

Quando: 1ª sexta-feira do mês
Horário: 14h
Onde: Anfiteatro Otorrino do Hospital das Clínicas (r. General Carneiro, 181)
Tel.: 0/xx/41/3225-1665

RIO DE JANEIRO

Quando: 1ª quinta-feira do mês
Horário: 15h30
Onde: Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (r. Prof. Rodolpho Paulo Rocco, 255, 12º andar)
Tel.: 0/xx/21/9578-4590

SALVADOR

Quando: 1ª terça-feira do mês Horário: 15h30 Onde: Hospital das Clínicas (r. Augusto Viana, s/nº) Tel.: 0/xx/71/3339-6317

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (SP)

Quando: 2ª terça-feira do mês Horário: 17h Onde: Hospital de Base (av. Brigadeiro Faria Lima, 5.544) Tel.: 0/xx/17/3201-5747

SÃO PAULO

Quando: 1ª segunda-feira do mês
Horário: 16h
Onde: Anfiteatro da disciplina de otorrinolaringologia do HC da USP (av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255)
Tel.: 0/xx/11/3068-9855

Fonte: Folha de S. Paulo/Folha Equilíbrio – www.folha.com.br
Divulgado em 14 de agosto de 2008
Por Julliane Silveira